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Artigos e Notícias

A teimosia das empresas nacionais de auditoria

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Data01/08/2010

01 – HISTÓRICO DO PROBLEMA

Ao longo dos últimos quarenta anos de profissão pude acompanhar diretamente toda a evolução do ambiente da auditoria independente em nosso país.

Fui um dos onze fundadores do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil – IAIB, atualmente Instituto Brasileiro de Contadores – IBRACON, na memorável reunião de dezembro de 1971 no Rio de Janeiro, na sede do Conselho Regional de Contabilidade do Rio de Janeiro.

Na época o Banco Central do Brasil é que tinha o controle do mercado de capitais no Brasil, com as personalidades destacadas de Francisco De Boni Neto, Diretor de Mercado de Capitais, e Evaristo Confort, Gerente de Mercado de Capitais.

Pela iniciativa destes dois eminentes funcionários governamentais foi possível a regulamentação da auditoria independente em nosso país. A profissão contábil brasileira, especialmente da área de auditoria independente, está devedora de uma justa homenagem a estas duas eminentes pessoas.

Junto com os queridos e dedicados amigos da profissão contábil brasileira Roberto Dreyfuss, Geraldo Ferreira da Ponte e Emilio Bacchi, que lideraram as conversações com o Banco Central do Brasil, pudemos, num curto espaço de tempo, constituir o Instituto dos Auditores Independentes do Brasil – IAIB, fruto da fusão dos Institutos dos Auditores de São Paulo e Rio de Janeiro e mais os auditores ligados do Instituto dos Contadores e Atuários do Rio Grande do Sul – ICARGS, na época presidida pelo Contador Egon Handel.

Este foi o marco divisório da auditoria independente em nosso país.

Em decorrência dessas negociações o Banco Central do Brasil baixou a Resolução nº 220/1972 que obrigava as companhias abertas a ter suas demonstrações financeiras (contábeis) examinadas por auditores independentes. Pelas Circulares nºs 178 e 179/72, respectivamente, criou o registro de auditores independentes e estabeleceu as normas de contabilidade para a elaboração e divulgação das demonstrações financeiras (contábeis) aplicáveis às companhias abertas.

Todos estes atos foram consolidados pela ação conjunta do Conselho Federal de Contabilidade e Instituto dos Auditores Independentes do Brasil – IAIB (hoje IBRACON) ao aprovar de forma conjunta as Normas de Auditoria Independente das Demonstrações Contábeis através da Resolução CFC nº 321/71, referendada logo depois pelo Banco Central do Brasil.

Neste momento tínhamos registrado no Cadastro do Banco Central do Brasil quarenta e quatro firmas de auditoria com atuação em vários estados brasileiros, com alta concentração nas regiões sudeste e sul. Apenas para relembrar o cenário, tínhamos as oito (“big eight”) firmas internacionais e trinta e seis firmas nacionais.

Cabe aqui, preliminarmente, esclarecer duas coisas: a) os nossos colegas das “big-four” (antigas “big-eight”) cansam de dizer que são firmas nacionais, apenas adotando o nome internacional porque fazem parte de uma rede internacional; b) para conquistar clientes, quando lhes interessa, dizem que são firmas internacionais; quando é para assumir responsabilidade internacional dizem que são firmas nacionais e que nada lhes diz respeito. Basta ler os anúncios de páginas inteiras dessas empresas para ver esta realidade. Trata-se de caso de dupla personalidade.

Pois bem, é neste cenário que estamos vivendo a profissão contábil brasileira no campo da auditoria independente.

Cada vez mais as firmas internacionais – “big four” – têm presença muito forte no mercado de auditoria no Brasil e as firmas nacionais, constituídas por profissionais brasileiros e sem vinculação com as quatro grandes, precisam buscar meios de sobrevivência num mercado internacionalizado, onde outros fatores influenciam a indicação do auditor independente.

02 – DAS OITO VIRARAM CINCO E DAS CINCO VIRARAM QUATRO

Quando comecei na profissão tinha na minha mente que estava atuando num mercado onde existiam oito firmas internacionais e mais umas trinta e poucas firmas nacionais.

Entre as firmas internacionais, duas não tinham nenhum interesse em auditar empresas nacionais, a Deloitte e a Ernst & Ernst (hoje Ernst & Young). A mais nacionalizada era a Price Waterhouse Peat (hoje a Peat é o P da KPMG).

Existiam na época firmas nacionais de prestigio e até com tamanhos maiores que as firmas internacionais (Boucinhas e Campos, com forte presença na área pública como auditores da Petrobrás, Eletrobrás e outras e Revisora Nacional e Sotec-Aud com presenças importante em firmas privadas como Banco Real, Camargo Correa, Sadia e outras.

Nossa empresa ganhou mercado porque investiu numa área pouco explorada pelas demais empresas, que foi a área do Agronegócio, (Cooperativas e empresas Agropecuárias), pontos fortes da economia do RGS, nossa terra de origem.

As décadas seguintes foram de muitas modificações no mercado de auditoria.

Das oito (“big-eight”) tornaram-se cinco, pois a Price se uniu com a Coopers e a Ernst se uniu com a Arthur Young. A Touche Ross se uniu a Deloitte e a Arthur Andersen continuou sozinha até quebrar em 2002, face aos episódios da Enron.

Quis a fatalidade que a melhor das cinco, em termos de qualidade técnica, no meu conceito, foi a que pagou o pato.

É público e por demais divulgado que as demais quatro praticaram auditorias de baixa qualidade para inúmeros clientes, sempre terminando em acordos com pagamentos de pesadas indenizações por trabalhos mal executados.

No caso dos escândalos de balanços fajutos nos EUA não foi só a Andersen a protagonista.

As outras quatro tinham contingências judiciais de mais de US$ 30 bilhões que até hoje perduram nos tribunais americanos. Porém quebrar mais uma firma das quatro sobreviventes seria o fim da auditoria no mundo capitalista. E este cenário não interessava a ninguém.

Aí tiveram a criatividade de inventar uma lei chamada Sarbanes-Oxley, (deputados americanos autores da lei) para salvaguardar as empresas de capital aberto, as firmas de auditoria, os bancos de investimentos, todas estas fraudes e os analistas ceguinhos (ou corruptos, como queiram), para criar uma forma de regulamentação e resgate da credibilidade dos balanços das empresas.

Do cenário de crise aguda, com perspectivas nada promissoras para as firmas de auditoria, em especial para as big-four (Price, KPMG, EY e Deloitte), com riscos de das quatro ficarem uma ou duas, o que para o mercado seria extremamente ruim, os participantes do mercado de capitais buscaram alternativas para salvar a situação.

Primeira decisão: não quebrar mais nenhuma firma de auditoria (uma das quatro, logicamente).

Segunda decisão: dar ao mercado sinais de busca da credibilidade.

Terceira decisão: criar uma lei para dar respaldo legal às ações de salvamento planejadas.

Como resultado de toda esta encenação mercadológica do mercado de capitais, criou-se esta lei Sarbanes-Oxley para tentar resguardar os investidores de possíveis fraudes futuras nas empresas.

Em resumo, as empresas gastaram milhões para se adaptarem aos requisitos da Lei Sarbanes-Oxley e as firmas de auditoria, as quatro principalmente, faturaram milhões sobre um problema que elas próprias foram as responsáveis por sua ocorrência.

Desde 1949 as normas de auditoria prevêem que o auditor independente fará o seu trabalho com base nos controles internos da empresa auditada. Ora, se os controles eram deficientes caberia ao auditor apresentar suas recomendações para melhorar os controles internos adotados. Se os controles não estavam formalizados, a recomendação deveria ser formalizar.

Ou seja, gastaram-se milhões sobre coisas que já deveriam estar implantadas nas empresas e se não estavam, caberia aos auditores independentes recomendar. Formalizar e aprimorar controles é apenas uma parte do processo. A qualidade e a ética na governança corporativa são fatores importantes para a credibilidade das empresas.

03 – OS CENÁRIOS DO MERCADO E O FOCO DAS EMPRESAS DE AUDITORIA

Nas décadas de 60 a 80, as grandes firmas de auditoria só se interessavam por grandes contas e tinham um mercado cativo que eram as empresas multinacionais, cujos auditores já eram designados lá de fora. As “big-eight” só tinham a preocupação de atender, e atender bem, as filiais das empresas estrangeiras, já que o auditor era escolhido lá fora. Até 1974 a Deloitte, quando da aquisição da Revisora Nacional, tinha um só cliente nacional, que era o Banorte. E isto se deve porque o primeiro escritório da Deloitte no Brasil foi em Recife, sede do antigo Banorte. Com a Ernst & Ernst, (hoje Ernst Young) se passava o mesmo.

Tanto a Price Waterhouse Peat como a Coopers & Lybrand tentaram em diversas ocasiões se unirem as firmas locais, todas nuvens passageiras, como dizia o poeta. As culturas diferentes sempre dificultaram a integração.

A KPMG foi a que partiu para aquisições de firmas nacionais, seguida da Ernst Young, algumas bem sucedidas e outras que não agregaram em nada.

Nestes últimos 30 anos, surgiram novas firmas de auditoria nacionais que conquistaram espaços. Umas sobreviveram e outras desapareceram, lamentavelmente.

Cabe destacar o surgimento da Trevisan, cujo sócio principal Antoninho Marmo Trevisan, oriundo da Price, desafiou o mercado denominado pelas “bigs” e as incomodou demais. Surgiu a BDO, inicialmente associada à Directa, hoje a quinta firma no ranking mundial, mas extremamente pequena perto da última das quatro. Depois da separação da Directa associou-se com a Trevisan, passando a chamar-se BDO Trevisan.

Outra que surgiu na década de 70 e ganhou projeção nacional foi a Bianchessi, com origem no RGS, sendo maior do que algumas das “big-eight” da época. Não resistiu a quebra do Banco Sul Brasileiro e Encol e naufragou junto.

Na década de 90 surgiu a Terco, com forte presença em assessoria tributária e pouca expressão em auditoria. Com a crise da Parmalat envolvendo a Grant Thornton e a Trevisan querendo livrar-se de uma relação com aquela empresa, colocou a Grant Thornton no colo da Terco, que buscava, intensamente, uma relação que lhe daria uma credibilidade em auditoria independente (depois de uma frustrada fusão com a Directa).

Pois bem, qual o resumo de toda esta salada de frutas mercadológica da auditoria independente em nosso País?

1 – Quebra da Arthur Andersen em 2002 e divisão dos seus clientes e sócios entre Deloitte e Price no Brasil, onde a decisão entre os sócios não foi unânime;

2 – Desaparecimento de várias firmas nacionais de auditoria, ou por problemas técnicos ou por aquisições pelas “big-five” e depois “big-four”;

3 – Surgimento de novas firmas, todas de pequeno porte, decorrentes do fechamento ou racionalização de equipes das “big-four”;

4 – O rodízio das firmas de auditoria nas companhias abertas, instituições financeiras, fundações de seguridade social e seguradoras, especialmente, reduto das principais firmas auditadas no Brasil, determinou mais uma paulada na cabeça das firmas de auditoria puramente nacionais. O resultado deste rodízio foi de que as empresas que eram auditadas por firmas de auditoria de médio e grande porte emigraram para uma das “big-four” e uma auditada por uma “big-four” migrou para outra “big-four”. Ou seja, a concentração das contas ficou com as “big-four”. O Banco Central suspendeu o rodízio, mas a CVM insiste em mantê-lo, embora sejam do mesmo governo.

04 –A QUEBRA DA ARTHUR ANDERSEN E O REFLEXO NO MERCADO FINANCEIRO

Eu, pessoalmente, lamentei muito a quebra da Arthur Andersen. Eu conhecia muito bem as práticas de auditoria da Andersen por privar da amizade de muitos dos sócios daquela que era a inspiração de metodologia e qualidade do processo de auditoria para a nossa empresa. Fizemos vários trabalhos em conjunto e tivemos muitos de nossos trabalhos revisados pela Andersen nestes últimos 40 anos.

Com muita satisfação digo que sempre tivemos uma validação plena de nosso trabalho pela Andersen.

A última experiência relevante foi quando tivemos a revisão de todo o nosso trabalho nas nove das vinte e sete empresas do Sistema Telebrás para fins de privatização, onde a Andersen atuou como firma auditora de todo o processo.

Lembro-me da expressão do sócio da Andersen ao terminar o seu trabalho: “Meus cumprimentos, vocês fizeram durante todos estes anos um trabalho excelente. Ficamos surpreendidos pela qualidade técnica e pela profundidade dos exames.” Minha resposta foi: “Eu não tinha nenhuma dúvida que nosso trabalho daria um conforto adequado ao trabalho de vocês. Que bom que vocês reconhecem que a auditoria brasileira também têm qualidade.”

05 –A INFLUÊNCIA DAS “BIG FOUR” NOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS E NACIONAIS

Não é de hoje que as firmas internacionais de auditoria (“big-four”) têm forte influência nos organismos internacionais, como Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, Fundo Monetário Internacional e até no BNDES e muito mais nas instituições financeiras privadas internacionais.

A situação é plenamente compreensível: é muito cômodo para os executivos (até no nível gerencial) aprovar projetos de financiamentos ou IPOs de empresas que sejam auditadas por uma das “big-four”. Se amanhã o mutuário (cliente) não pagar, a desculpa pela má análise de crédito é: “mas esta empresa foi auditada por uma “big” e minha decisão foi baseada na credibilidade dos números apresentados pela empresa”.

Ou seja, é muito confortável para quem aprova projetos e créditos, ou que as demonstrações contábeis de uma empresa com apetite de fazer um IPO, tenha suas contas aprovadas por uma “big”.

Se amanhã der errado quem autorizou crédito têm o respaldo de que a empresa financiada foi auditada por uma “big”. Quem lançou as ações também.

Esta é uma situação que deve ter uma solução. A minha expectativa para resolver este cenário é a harmonização das normas de contabilidade a nível mundial e a adoção pelas firmas nacionais das normas internacionais de auditoria.

Se houver um organismo internacional para validar as práticas de auditoria de todas as firmas de auditoria que queiram ter um selo internacional e esta firma nacional passar por todos os requisitos exigidos pelo organismo internacional, a certificação internacional estaria consolidada. Sei que existe o PCAOB (Public Company Accounting Oversight Board), criado pela Lei Sarbanes-Oxley para monitorar a qualidade das auditorias, mas este selo não é suficiente.

Aí vem a questão: depois de passar por todos os requisitos definidos e obter a sua certificação internacional, poderá uma firma nacional ser validada pelo mercado financeiro internacional?

Eu espero, firmemente, que isto possa acontecer: do contrário será o fim do mercado de auditoria mundial.

Tenho a firme convicção de que no futuro o mercado financeiro e de capitais não vão querer ficar nas mãos das “big-four”.

Se firmas nacionais e redes internacionais de menor porte, e aí incluo a BDO e a Grant Thornton, além das outras redes internacionais, não tiverem como participar do mercado de auditoria mundial, o processo de auditoria independente a nível mundial cairá em total descrédito.

Ninguém vai querer ficar refém das “big-four”. Se quiserem ficar são uns perfeitos idiotas. E conhecendo os empresários, digo com convicção: esta classe de idiota não tem nada.

Por fim, quero destacar um ponto essencial neste cenário: por que um organismo nacional, como o BNDES, influencia seus financiados a ter suas demonstrações contábeis auditadas por uma das “big-four”?

O problema não é o BNDES, pois o banco nem tem um cadastro de firmas de auditoria independente sob o qual poderia questionar a qualidade dos auditores independentes.

O BNDES, em tese, referenda todas as firmas de auditoria registradas na CVM. Todavia, alguns setores do banco condicionam a aprovação do financiamento, em “off”, que a empresa financiada seja auditada por uma das “big-four”.

Há ocasiões onde a influência é mais direta. A empresa de auditoria (uma das big-four) é mencionada explicitamente. O Brasil é isto! E nada acontece!

E por favor, não me questionem, pois tenho provas suficientes para provar minha acertiva. Com nome das empresas, tipos de financiamentos e valores. Uma lástima, mas é a realidade.

06 –O EXEMPLO DO CITIBANK E DO DEUTSCHE BANK

Há alguns anos atrás sentimos uma pressão muito forte do Citibank, financiador de alguns de nossos clientes de grande porte, para que houvesse uma troca de auditoria por uma das “big-five” (na época ainda eram cinco).

Mercê de uma ação rara entre os empresários, um de nossos clientes levantou uma questão junto ao Citibank: Vocês conhecem os nossos auditores? Diante da resposta negativa houve uma combinação tripartite: A empresa auditada liberava o seu auditor a falar o que quisesse sobre ela, o banco questionaria sobre o que bem entendesse e nós auditores, além de demonstrar a nossa metodologia de trabalho, poderíamos expor nossa opinião sobre a empresa auditada sem qualquer restrição. Total transparência, como se diz no mercado.

O resultado desta situação foi o melhor possível: o banco ficou confortável do que ouviu da nossa firma, validou a nossa atuação ao demonstrar que se praticava uma auditoria de qualidade e independente e o cliente passou a ter taxas financeiras mais baixas. E o Citi nunca mais pressionou para a troca do auditor.

Poucos meses atrás tivemos uma situação semelhante com o Deutsche Bank. Por razões internacionais, o banco não financia empresas que não sejam auditadas por uma das “big-four”.

Para crescer no mercado brasileiro, o banco identificou várias firmas, mas muitas delas eram auditadas por firmas nacionais de auditoria. Como resolver o impasse?

O banco passou a contatar e visitar as referidas firmas nacionais de auditoria para poder conhecê-las.

No nosso caso, o resultado foi altamente positivo, pois os nossos clientes, onde o banco tinha interesse de operar, passaram a ser contatados pelo banco.

Recebemos um comunicado do porta voz do banco de que nossa empresa estava aceita pelo banco como auditora de seus potenciais clientes.

Lógico que isto tudo é um processo.

Falar de um banco nacional brasileiro, mesmo do porte de um Bradesco, Itaú ou Unibanco nas principais bolsas internacionais é a mesma coisa que falar em termos de uma auditoria independente como a Boucinhas e Campos, a Soteconti, a Nardon Nasi, a Teixeira, a Walter Heuer, a Fernando Motta e outras. Não vale nada. O mercado internacional não nos conhece, nem os bancos, nem os auditores.

Basta a ver os IPOs ocorridos nos últimos dois anos no Brasil e verifica-se que Bradesco, Itaú e Unibanco pouco participaram como líderes dos lançamentos. Só dá Credit Suisse e UBS Pactual e as vezes o Citibank e o J.P. Morgan. E olha que estes dois últimos são grandes no mercado internacional.

Globalização é isto! Continuamos com nosso pedacinho nacional.

07 –OS TEMPOS DAS 2000 HORAS

Quando comecei na atividade da auditoria independente ouvia de nossos concorrentes internacionais, na época as “big-eight”, de que a elas só interessavam clientes nacionais com uma expectativa de 2000 horas anuais. Algumas dessas oito grandes firmas internacionais nem tinham clientes nacionais, como já antes mencionei.

Foi neste nicho de mercado que muitas firmas nacionais entraram e começaram a ganhar espaço. Foi o que fizemos em nossa empresa.

Além disso, procuramos solidificar nossa presença em áreas onde as “big-eight” não tinham a menor experiência e o menor interesse: setor agropecuário e especialmente cooperativas. Nossa empresa ficou conhecida nacionalmente como aquela que era especializada em cooperativas. Embora não atendiamos somente cooperativas agropecuárias, este setor representou substancial participação em nosso faturamento. Chegamos a auditar mais de duzentas cooperativas em vários estados brasileiros e realmente temos uma substancial experiência no segmento. Como o cooperativismo cresceu de forma impressionante nas décadas de 70 e 80 em nosso país, o crescimento de nossa empresa também foi significativo.

Lamentavelmente o setor teve inúmeros problemas já na década de 80 por problemas de gestão, que culminaram com a crise dos anos 90 pelas políticas econômicas equivocadas e mal sucedidas, atingindo diretamente (ou quebrando) o setor agropecuário brasileiro.

Das 2000 horas como fator essencial da busca de clientes na década de 60, hoje as “big-four” disputam clientes de 200 horas ano pau a pau com as firmas nacionais, brigando não mais com as médias firmas nacionais, mas com as pequenas firmas de auditoria.

As pequenas firmas de auditoria lutam por um espaço pequeno e sua arma é apenas o preço e o atendimento pessoal, ficando restritas às pequenas e médias empresas.

Para as firmas médias de auditoria, como a nossa, não resta outra alternativa do que a segmentação do mercado e buscar clientes de porte médio e grande, que não tenham a obrigação de contratar firmas internacionais, além do atendimento pessoal dos sócios e outras vantagens competitivas que me reservo o direito de não mencionar.

08 –ONDE AS “BIG-FOUR” QUEREM CHEGAR

Logicamente que o primeiro objetivo é buscar mercado, tanto nas grandes, médias e pequenas empresas.

O segundo objetivo é, atingindo todo o mercado, excluir as firmas nacionais de auditoria, começando pelas de grande porte (são poucas), massacrando as de médio porte (são muitas) e deixando sobreviver as de pequeno porte, dando a impressão aos organismos reguladores de que existe um mercado de trabalho para as firmas de auditoria no Brasil. Pura ilusão de ótica.

Basta ver o IBRACON! Entidade fundada em 1971, dos quais tenho a honra de ter sido um dos fundadores, sempre teve, pelo menos em seus trinta anos de existência, até 2001, um equilíbrio de gestão, com alternância de poder entre representantes de firmas nacionais e internacionais. De lá para cá, o IBRACON virou reduto das “big-four”, que o sustentam e governam, ditam as regras técnicas, manipulam suas posições externas e pouco representa o efetivo interesse dos auditores brasileiros. Temos mais de 140.000 contadores no Brasil, mais de 10.000 profissionais trabalhando em auditoria independente e o IBRACON continua com seus 3.000 sócios há mais de 20 anos.

Espero que o planejamento estratégico do IBRACON, que está sendo implantado, mude a cara da entidade e acolha os mais de 10.000 contadores que trabalham em auditoria em nosso país.

Ou seja, as “big-four” utilizam-se do IBRACON como escudo para defender seus interesses junto aos organismos reguladores.

Sei que vou ser contestado por estas afirmativas, mas esta é a realidade. É meu sentimento e o de inúmeros contadores brasileiros que atuam na atividade da auditoria independente. Alguns há mais de 40 anos como eu.

09 –O EXEMPLO DOS EUA E A SITUAÇÃO NA EUROPA

Sendo o país a nível mundial onde a auditoria independente tem o maior desenvolvimento, o mercado de auditoria nos EUA é um bom exemplo de convivência entre as “big-four”, as médias e pequenas empresas de auditoria.

Primeiramente cabe destacar que o AICPA sigla em inglês do (Instituto dos Contadores Públicos Certificados) tem um equilíbrio de forças na gestão da auditoria independente nos EUA. Em geral são representantes de médias firmas de auditoria (que são milhares nos EUA) que dirigem o AICPA. Lá todos os auditores certificados são membros do AICPA, uma entidade sólida, muito forte economicamente e que representa muito bem a classe dos auditores.

A estrutura da profissão contábil americana dá oportunidade a todos, pela grandeza e imensidão do mercado de trabalho. Lá qualquer empresa de médio porte é obrigada a ser auditada, não por lei, mas por imposição do mercado.

Os bancos não operam com empresas não auditadas, independente de seu porte e tipo jurídico.

Embora haja uma substancial predominância das “big-four”, há um mercado tão amplo que as médias e pequenas firmas de auditoria têm espaço para atuar.

O AICPA está permanentemente preocupado em criar espaço para a atividade de seus auditores, especialmente as médias e pequenas firmas. Aqui, o IBRACON nada faz pelas médias e pequenas firmas de auditoria.

A grita na Europa tem sido permanente. Diante da crescente participação das “big-four” no mercado da auditoria, as firmas nacionais, especialmente do Reino Unido, tem protestado permanentemente quanto a atuação das “big-four”.

Recentemente pesquisa feita pela London School of Economics, com o patrocínio da BDO, constatou que os honorários de auditoria, sem considerar outros serviços, como mudança de regulação, pela concentração dos serviços das “big-four”, aumentou 2,4%, que para uma economia estabilizada é muito.

Na realidade a BDO (associada com a Trevisan no Brasil), que é a quinta empresa mundial, é dez vezes menor que a menor das quatro (“big-four”) e não tem a menor participação no rol das 500 maiores empresas da FORTUNE.

Ali deitam e rolam as “big-four”. Para se ter uma idéia desse mercado, posso garantir que a BDO, uma firma com sede mundial na Alemanha, não era reconhecida até pouco tempo atrás pelo próprio Deustch Bank como firma de auditoria credenciada.

O que resta para nós, firmas brasileiras, argentinas, mexicanas e indianas, para ficar só em alguns países?

Vejamos alguns cenários onde poderemos ter mais mercado:

1 – O Brasil vai crescer mais de 5% ao ano nos próximos anos e uma quantidade de novas empresas surgirão. As pequenas vão se tornar médias e as médias vão se tornar grandes;

2 – Nem todas as empresas nacionais, de médio e grande porte, de capital fechado, tem necessidade de ter como sua auditoria uma das “big-four”. Muitas delas não querem nem saber de uma das “big-four”, pois são pequenas demais para terem um atendimento adequado às suas necessidades;

3 – Dentro de poucos anos todas as sociedades anônimas serão obrigadas, por lei ou por exigência do mercado, de serem auditadas;

4 – As empresas de grande porte, mesmo sendo limitadas, já estão contratando auditoria, por necessidade ou pela imposição da Lei 11.638/2007;

5 – Outros segmentos de empresas e instituições serão obrigadas, por lei ou por imposição do mercado, a serem auditadas;

6 – Firmas familiares, mesmo as limitadas, estão cada vez mais contratando auditoria independente.

Ou seja, há espaço para todos: pequenas, médias e grandes firmas de auditoria. Apenas temos que ser competentes e mostrar que tamanho não é documento, para usar uma expressão muito usada no Brasil.

10 –A SITUAÇÃO MUNDIAL

A situação da auditoria no mundo não é muito diferente do cenário brasileiro. O domínio das quatro grandes é total.

De vez em quando algum organismo regulador divulga estudos e propõe alternativas para quebrar o monopólio das “big-four”, mas apesar de todo o barulho não acontece nada.

No meio do ano passado o Conselho de Contabilidade Financeira (sigla em inglês FRC), organismo regulador no Reino Unido, chegou a um consenso de que o domínio das “big-four” na auditoria das grandes empresas é prejudicial ao mercado.

O Conselho reuniu diretores de empresas, investidores, banqueiros e auditores para avaliar o assunto.

No momento em que estas pessoas se reúnem e falam por si e não por suas organizações, chegam fácil a um consenso de que seria ótimo para o mercado de que houvesse um maior número de firmas de auditoria para atender as grandes empresas multinacionais.

Todavia, se você for falar com cada um deles nas suas organizações vão ter uma resposta totalmente diferente.

O executivo-chefe do FRC, Paul Boyle disse: “todos concordam coletivamente sobre a necessidade de agir, mas é difícil para uma empresa, individualmente, ser a primeira a fazer a mudança”.

Ele chamou esta situação como a síndrome do “not in my back yard” ou equivalente a expressão “não no meu quintal”.

Ou seja, o diretor de uma empresa apóia a idéia, desde que não seja na dele ou que a dele não seja a primeira.

No Reino Unido, das 350 maiores empresas, a BDO e a Grant Thornton, que são as maiores depois das “big-four”, só têm 2% do mercado.

Tenho muitos amigos que trabalham em auditoria no Reino Unido e eles me dizem que nós brasileiros é que somos felizes. Lá a situação é muito pior.

O diagnóstico que se dá a esta situação é que há barreiras psicológicas para mudar este quadro. Mas eu ainda tenho a esperança de que vai surgir algum dirigente peitudo de uma multinacional que vai topar trocar uma das “big-four” por uma menor. Se der certo, pode ser a virada que o mercado espera.

11 –A LUTA DAS EMPRESAS NACIONAIS QUE TÊM CONDIÇÕES DE COMPETIR

Vejo que algumas características deverão predominar nas pequenas e médias firmas de auditoria para se tornarem grandes “players”.

A primeira situação a ponderar é a do mercado. Diante de todas estas dificuldades constatadas, a pergunta que se traz presente é: há perspectivas positivas para as firmas nacionais de auditoria? Tenho absoluta certeza que sim.

O Presidente do IBRACON, que é sócio da Deloitte e ex-Andersen, em recente entrevista a Revista Razão Contábil expressou este mesmo sentimento. Que bom que ele pensa assim.

Elenco alguns cenários do mercado de trabalho da auditoria no Brasil para que se possa compartilhar desse mercado com as “big-four”:

1 – buscar a especialização por segmento de negócio. Não dá para ser bom e experiente em todos os segmentos;

2 – dar um atendimento personalizado ao seu cliente, fator em que as “big-four” são extremamente ineficientes;

3 – dar resposta rápida às necessidades dos clientes;

4 – equipe altamente qualificada. Quantidade só é fator competitivo para grandes empresas. Para um mercado mais segmentado, como o das médias e pequenas empresas, ou mesmo grandes firmas com estrutura de gestão familiar, a qualidade do serviço e o atendimento personalizado é essencial;

5 – apresentar produtos (serviços) diferenciados e competitivos, que as “big-four” têm dificuldade de oferecer, pelo alto custo do treinamento de suas equipes, e alta rotatividade de pessoal;

6 – ter condições de atender todo o tipo de serviço requerido internacionalmente, segundo padrões internacionais, com equipes fluentes em vários idiomas, conhecimento das normas internacionais de contabilidade e auditoria e afinados com os requerimentos do mercado internacional de auditoria (SAOX, IFRS, USGAAP, FASB, NIAS, etc).

Portanto, só nos resta continuar, dia a dia, acordando cedo, arregaçando as mangas, estudando muito e trabalhando com ética, muita vontade, talento e criatividade. Além de tudo isto, somos muito teimosos.

Contador Antonio Carlos Nasi

  • Sócio da Nardon Nasi Auditores & Consultores
  • Sócio da RBA Global – Auditores Independentes S/S
  • Membro Fundador do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil – IBRACON
  • Presidente da Associação Interamericana de Contabilidade – 1999/2001
  • Membro do Grupo de Normas Contábeis do Conselho Federal de Contabilidade – 1990/1997